A violência pode ser explicada a partir de diversos ângulos, dependendo de onde nasce o olhar e o conhecimento de quem explica.
Por exemplo, se este olhar e este conhecimento nascem do alto da pirâmide social de uma sociedade capitalista terceiro mundista, as categorias que emergem deste conhecimento propiciam que se resolva a violência através de mais presídios, mais segurança, mais redução da idade penal, mais controle de natalidade.
A forma de enfrentamento da violência, então, vai se centrar em um movimento de proteção entre os “cidadãos de bem” em relação aos outros – “os bandidos”.
É um olhar e um conhecimento que buscam explicar o fenômeno da violência a partir da culpabilização da pobreza e de uma concepção de sociedade centrada no paradigma positivista – “os errados devem ser adaptados”.
E o Serviço Social? O que tem a ver com isso?
Muito, considerando que, em sua trajetória histórica, a marca de sua origem trouxe para a sua intervenção na realidade o pensamento hegemônico para conhecer, explicar e intervir na desigualdade social e no seu produto – a violência.
Pobre é carente. Logo, sua carência nasce de sua impossibilidade de adaptar-se à sociedade, pela falta de responsabilidade, de qualificação para o trabalho, pela sua dificuldade em se inserir na sociedade ou pela sua dependência química ou etílica. Provavelmente, a família não foi competente. Portanto, durante um longo período os assistentes sociais explicaram a violência através da causa e do efeito.
Era nessa explicação reducionista e setorizada da violência que os assistentes sociais desenvolviam sua intervenção, através de seu objeto, na época – resolução de problemas.
Culpa nossa?
Não, porque o desconhecimento é intencionalmente produzido, e o conhecimento setorizado traz a intencionalidade na manutenção dos privilégios.
É fácil traduzir a violência pelo aparente e buscar soluções imediatas na resolução de problemas. É fácil assumir posições postas pela unanimidade descomprometida. É fácil solucionar a violência pelo armamento dos “homens de bem” ou pela “pena-de-morte”. É fácil ser assistente social em um contexto em que a pobreza é “solucionada” por políticas sociais compensatórias, sem questionamento. É fácil aceitar a guerra em nome da democracia. É fácil aceitar a morte pelo preconceito, quando sua explicação não passa de argumentação em relação à aceitação da violência. É fácil ser assistente social quando nos tornamos espectadores da própria violência, pela ausência de tomada de decisão, porque burocratizamos a intervenção.
No entanto, difícil é ser assistente social quando a consciência se apropria da violência como um fenômeno que nasce da relação capital e trabalho. Em que uma nova concepção de sociedade passa a fazer parte do cotidiano profissional. Quando a categoria rompe com o pensamento hegemônico, trazendo para sua prática uma nova leitura teórica para conhecer, explicar, interpretar e intervir na realidade social.
É difícil ser assistente social quando, ao nos defrontarmos com a violência no cotidiano, também nos apropriamos do conhecimento de que a relação capital e trabalho produz a desigualdade social e a elege como essência de sua própria manutenção.
É difícil ser assistente social e se apropriar da Questão Social como objeto do processo de trabalho que, como uma linha invisível, vai delimitar a violação de direitos como espaço de trabalho.
É difícil ser assistente social e se contrapor ao pensamento hegemônico e lutar pela garantia de direitos. É difícil ser assistente social e lutar pelos direitos humanos de qualquer sujeito, independentemente de seu comportamento. É difícil ser assistente social nos espaços institucionais em que a burocracia é mais importante que as pessoas. É difícil ser assistente social quando nos apropriamos da violência como construção de um coletivo que teima em se desresponsabilizar pela sua existência.
É difícil ser assistente social na conquista de espaços de resistência, porque ser assistente social é, antes de tudo, priorizar o Projeto Ético-Político a todo instante no cotidiano, é ter a certeza de que o caminho que vai ser percorrido é o caminho da esperança e da interlocução de direitos, para quem não tem voz nem vez em uma sociedade pródiga à violação de direitos.
Maria da Graça Maurer Gomes Türck