Antes de mais nada, é necessário trazer telegraficamente um pouco da história do Serviço Social, a partir do momento em que este se constituiu através do referencial estadunidense, em que o Serviço Social Clínico se explicitou primeiramente por Mary Richmond na busca pelo cientificismo, que indicava que o Serviço Social tinha como campo de ação o indivíduo e o seu meio social, demarcando com propriedade na época, o objeto da ação do Serviço Social. Ao mesmo tempo, Richmond, ao ponderar que o Serviço Social na época destinava-se a ser também “um auxiliar nos setores da medicina, da pedagogia, da jurisprudência e da indústria”, demarcou o Serviço Social como uma nova profissão, mas ao mesmo tempo deixou um legado difícil de se desvincular, porque surgiu como uma profissão para complementar as outras, trazendo então em sua essência a marca da subalternidade - uma marca que vem nos acompanhando ao longo de nossa história.
Logo, o momento histórico brasileiro por volta de 1940 foi propício para a aproximação dos Estados Unidos com a América Latina, mais especificamente o Brasil. E, em relação à formação intelectual, oportunizou bolsas de estudos oferecidas pela Fundação Ford, e os assistentes sociais bolsistas da época trouxeram para o contexto profissional a influência do positivismo, que forneceu uma estrutura conceitual para observar e interpretar o homem na sociedade brasileira. Dessa forma foram instituídas no país duas vertentes: a Escola Diagnóstica e a Escola Funcional. Após, surgiu a Escola Eclética (BECKER, 1967). Essas Escolas, mundialmente, já haviam sido originadas a partir da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), no grande avanço ocorrido com os conhecimentos psicológicos e pelo impacto da psicanálise freudiana, que influenciaram o Serviço Social, mais especificamente o “método do Serviço Social de Casos”. São formas de compreender o sujeito individual que advinham da psicologia da doença mental (Escola Diagnóstica) e da psicologia do crescimento (Escola Funcional). Do contato, então, com essas concepções e da assimilação de partes diferentes do pensamento de Mary Richmond, nasceram dois métodos de atuação diferenciados, que vieram a ser conhecidos pelos nomes de Passividade Dinâmica (Escola Diagnóstica) e Terapêutica da Relação (Escola Funcional).
A Passividade Dinâmica foi o termo mais utilizado para designar o método seguido pelos assistentes sociais que tentaram uma forma de ajuda próxima da que usavam os psicanalistas freudianos. Fundamentalmente, procurava-se ouvir a pessoa de uma forma passiva e acolhedora, estimulando a expressão de sentimentos da sua parte, compreendendo, ainda, a experiência passada do cliente e aproveitar o valor terapêutico da transferência e da contra-transferência (BECKER, 1967).
A Terapêutica da Relação era o termo usado, então, pelas assistentes sociais que seguiam a linha do pensamento de Otto Rank. O seu tipo de atuação não era radicalmente diferente dos que seguiam a metodologia anterior, quanto à intenção, mas afastava-se bastante em certos aspectos formais. Portanto, para esta Escola, era uma oportunidade para experienciar de forma mais completa – do que o habitualmente possível – a direção, a profundidade e a ambivalência dos impulsos que relacionavam uma pessoa com a outra e com a realidade exterior e para descobrir a possibilidade da sua organização em um outro “querer” autônomo e criador (BECKER, 1967).
Os pontos de divergência de ambas as Escolas se localizavam, portanto, entre o tratamento, a ajuda e o papel da agência/instituição no processo de Serviço Social.
Uma terceira vertente, então, buscou a integração das duas Escolas, dando origem a uma perspectiva eclética na condução da ação profissional do assistente social. Esta priorizava a atenção no cliente, como na Escola Diagnóstica; no serviço, como na Escola Funcional; mas também na interação dinâmica do cliente para a maneira como se relacionavam entre si, considerando-se ambos os aspectos de diagnóstico e funcional da situação.
Apesar dessas vertentes apresentarem formas diferenciadas de compreender a situação a ser avaliada, todas se pautavam numa perspectiva de causa e efeito para explicar a desigualdade social vista a partir do desajustamento social que emergia na vida dos indivíduos, sujeitos da ação profissional do assistente social.
Logo, no transcorrer da história de nossa profissão, vínhamos nos debatendo com diferentes objetos. Ora, era o homem e seus problemas, ou o homem, ou os problemas sociais ou então, a resolução de problemas, dentre outros. Autores como Gordon Hamilton, Helen Perlman, Harriet Bartlet e Florence Hollis, dentre tantos outros, trouxeram para o contexto brasileiro, o ecletismo, a teoria sistêmica e a psicanalítica para dar sustentação ao objeto do Serviço Social que emergia com mais intensidade em determinado momento histórico. Basicamente então, o Serviço Social Clínico passou a se sustentar nas duas Escolas, a Funcional e a Diagnóstica, já, anteriormente referido.
Por que então ir nesta parte da história para iniciar um debate sobre práticas terapêuticas?
Porque a partir das argumentações de autonomia, vamos propiciar a negação da profissão, de seu Projeto Ético-Político e de seu objeto: Questão Social. E vamos validar o Serviço Social tradicional cujo eixo teórico legitimava a leitura dos fenômenos sociais que emergiam na vida dos sujeitos, a partir da patologia, da doença. A própria palavra “terapêutica” no seu sentido semântico a concebe como “parte da medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes; terapia” (FERREIRA, 2007, p.772). Em conseqüência, uma intervenção de ajustamento social, de culpabilização e de complementaridade de outras profissões.
A pergunta então que fica: por que retroceder se podemos avançar?
Assistente Social Maria da Graça Maurer Gomes Türck
8 comentários:
Não se trata de negar a profissão, trata-se de utilizar outros instrumentos para o trabalho com grupos, práticas que já são realizadas no cotidiano profissional, terapia familiar e sócio terapia, seriam intrumentos para ação.Não quer dizer que estáriamos mudando nosso objeto. Trabalhamos com grupos, utilizamos dinamicas grupais das mais variadas e não sabemos realmente dos resultados dessa ação, isso talvez fosse uma prática terapeutica, e ai??
Concordo com a colocação anterior. É certo que caminhamos e avançamos muito em termos de prática social na luta pelo direitos sociais da população, mas não podemos esquecer que fomos nós assistentes sociais que fornecemos os pilares para a terapia familiar, uma vez que, como exposto brilhantemente pela Drª Maria da Graça Türck, foi Mary Richmond quem percebeu a excelência de se trabalhar com famílias. É inegável perceber que as particularidades conjunturais da época, limitavam bastante a percepção do trabalho realizado, focando-se numa perspectiva estrutural-funcionalista.
Contudo, não percebo ser um retrocesso a busca por ampliação do campo de atuação do Serviço Social, uma vez que em qualquer espaço de atuação profissional o assistente social deve desenvolver suas particularidades de atuação.
É contraditório negar as práticas terapêuticas em Serviço Social uma vez que na área da saúde, por exemplo, trabalhamos com a saúde num contexto mais ampliado do que a simples ausência de doença. Daí nos vem o questionamento: abordagem grupal não constitui uma prática terapêutica? teramos que negar então todas nossas estratégias metodológicas que se imiscuem com práticas terapêuticas?
Essa é uma discussão pertinente, num contexto social onde cada vez mais as profissões estão sendo desafiadas a construir e conquistar novos espaços profissionais.
Penso que caras colegas, precisamos retornar as nossas raizes, por nossos pés nos chão, que é a Questão Social e suas expressões, não sujeitos com problemas isolados, mas que fazsem parte de uma superestrutura da qual devemos considerar ao atender um usuário, numa visao dialético crítica....cade a historicidade e a contradiçao? e a totalidade?huuuuuuuu.............Ainda bem que existem colegas como a Graça!!!!
Quem está falando de sujeitos isolados???? Quem está negando a totalidade???? Fico triste ao perceber que muitos colegas desconhecem o quanto de terapêutico existe na prática do serviço social. É uma pena que essa visão miope seja tão presente no discurso hegemônico. Sejamos coerentes, por favor!
Não acho, particularmente, que seja uma questão de "sujeitos isolados", como a colega anteriormente citou. Mas temos que nos ater ao nosso discurso dialético-marxista, ou seja, à visão de totalidade, contrariedade, historicidade e diferenciação. Como esses sujeitos vivenciam todas essas questões em sua subjetividade sem perder a objetividade desse processo social. Como coloquei em meu comentário do dia 17/07, acho que devemos iniciar um debate no mínimo coerente e sensato e não nos limitarmos a revidações falaciosas. Penso que todos os comentários são bem-vindos, contudo que não se deixe de lado a argumentação. Todos temos direito à voz.
O futuro do Serviço Social será pós-moderno... tanta luta por nada.
A escuta também não é terapeutica?
Fico muito preocupada, pois vejo que se trata de puro preconceito, e vejo inclusive perigo para o futuro da profissão, enquanto se tem um grupo querendo restringir a atuação do serviço social, e com isto reduzir o campo de trabalho dos assistentes sociais, começando que anteriormente em todo serviço de saude mental e comunidades terapêuticas tinha assistentes sociais, hoje se tem cada vez menos. E quando se fala do que é privativo do serviço social, fica apenas restringido ao uso do cress, pois bem se pode se desenvolver todas as intervenções que fazemos com um CRP, como sociólogo, como pedagogo, enfim sendo outros profissionais.
Agora quando se trata de intervir na realidades do cidadão, a partir do momento que se fez um atendimento e o usurio percebe que pode lutar por seus direitos e passa a ser protagonista de sua historia ele sai a apatia então se estabeleceu um processo terapêutico.
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