segunda-feira, 23 de abril de 2007

GARANTIA DE DIREITOS E PRECONCEITO: UM DESAFIO PARA OS ASSISTENTES SOCIAIS

Por volta de 2003, em Porto Alegre, em um evento em que participei como palestrante, veio ao meu encontro um homem de aproximadamente uns 45 anos, vestindo uma calça jeans, uma camiseta preta, com os cabelos cumpridos, amarrados em um “rabo de cavalo”. Me olhou, sorriu, me cumprimentou e disse: Graça, não lembras de mim?
Olhei interrogativamente e ele disse: No final do evento te direi quem eu sou!
Fiquei puxando pela memória. Quem seria este personagem, que com certeza carregava em sua experiência de vida, com muita intensidade, um encontro que deveria ter sido muito significativo.
Ao final do evento, ele se aproximou e disse: Lembrou?
E eu, mais do que depressa: Com certeza!
E, como um filme, uma das experiências mais marcantes que vivi profissionalmente me dominou integralmente.
Por que das mais marcantes?
Porque esta experiência me confrontou com minha subjetividade e com as minhas contradições.
No Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre (1995), de posse do processo de solicitação de termo de guarda de um tio em relação a seus sobrinhos, me dirigi à recepção e chamei pelo nome do então responsável. Levantou uma mulher, com os cabelos longos e soltos, de saia, sandália, unhas compridas e pintadas e um vozeirão masculino: Sou eu, boa tarde!
Naquele exato momento, nos segundos que me separavam da resposta, eu vivi com intensidade todos os meus preconceitos, minhas dúvidas e meus receios.
Nunca foi tão difícil retomar o Projeto Ético-Político em minhas mãos e me dar conta que ao ter feito esta escolha, naqueles poucos segundos, havia enfrentado e superado o pensamento da classe dominante e ocupado o espaço de resistência na garantia de direitos.
"Podes me acompanhar? Oito anos depois do nosso encontro no Juizado, em 2003, eu recebi o retorno!
Graça, eu quero te dizer que tu para mim, és inesquecível. Nunca, ninguém tinha me tratado com tanta dignidade. Queres saber como estão, hoje, os meus sobrinhos?
"
E seguimos caminhando sob o céu cheio de estrelas, pelas ruas de Porto Alegre.
E, naquele momento, tive fortemente a certeza do lugar que eu ocupo, a quem sirvo e qual o meu compromisso como pessoa e como profissional.
Me apropriei, mais ainda, de que o cotidiano profissional em que nós assistentes sociais transitamos, a partir da Questão Social como nosso objeto, é um cotidiano de enfrentamento permanente em relação aos nossos próprios preconceitos, à nossa própria classe social e ao nosso Projeto Ético-Político.
Neste espaço, ouso inferir que não existe uma profissão que viva tão intensamente a contradição no cotidiano, em que as nossas vivências pessoais, nossos valores e princípios éticos não estejam permanentemente sendo testados.
E a forma como lidamos com estas contradições retornam ao contexto profissional e atingem diretamente ao usuário, sujeito de nossa intervenção. São nestes momentos que se diferencia o discurso do compromisso!

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Filmografia Social




Grand Canyon é um filme que retrata bem a relação tensa entre brancos e negros nos Estados Unidos - e porque não dizer do mundo ocidental inteiro também. É a eterna procura por um respiro em uma sociedade tensa, corrosiva e sem saída.



É mais um filme que você encontra no Centro de Entretenimento E o Vídeo Levou.

Acesse pelo menu e veja a resenha do filme!

segunda-feira, 16 de abril de 2007

COLABORADORES VERSUS TRABALHADORES: O QUE ESTÁ EM JOGO?

Quem circula no âmbito das empresas está se confrontando com uma figura de linguagem que está dominando o cenário do trabalho:
“Colaboradores”.
Na linguagem cotidiana empresarial existe um esforço em substituir o trabalhador por colaborador.
O que está em jogo neste cenário que vai se explicitando, primeiro, pela linguagem?
A negação da luta de classes.
Ao transformar o trabalhador em “colaborador” está se inaugurando uma nova artimanha na exploração do trabalho. Isto é, esta denominação vai atingir diretamente a subjetividade do trabalhador “vendendo” a ilusão de que ele, trabalhador, passa a fazer parte da empresa ao ascender socialmente pelo auxílio que presta ao colaborar.
Logo, não fica explicitado para ele que, ao colaborar, ele transforma a relação de trabalho em ajuda, em auxílio, isto é, ele, “colaborador”, participa sem pertencer.
Portanto, não reivindica, simplesmente aceita pela doce ilusão de que está se inserindo no clube fechado dos patrões, se enredando na armadilha posta para transformá-lo cada vez mais em coisa. E, ao ir perdendo o seu vínculo de classe, ao negar sua identidade, vai enfraquecendo seu coletivo e, conseqüentemente, vai deixando de assumir o seu papel na história, renunciando a garantia de seus direitos.
E o assistente social? Como se posiciona nestes espaços sócio-ocupacionais?
Assume o “colaborador” negando o trabalhador?
Implementa seu processo de trabalho na manutenção da exploração?
Nega também ao trabalhador o direito de sua identidade de classe?

(...) Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
-Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

-Loucura!- gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído.

(Vinícius de Moraes)

Quem nasceu da relação capital e trabalho nunca poderá ser transformado em “colaborador”, porque através da história foi forjado pela resistência no enfrentamento da exploração do trabalho.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

QUAL É O SIGNIFICADO DO ACOLHIMENTO?

“Nem me fale em acolhimento! É só preencher fichas cadastrais!” - fragmentos da fala de um aluno do Curso de Serviço Social, 2007.1.

O sentido semântico da palavra acolhimento, segundo o Dicionário Aurélio, traz para a sua apropriação “a consideração, atenção, recepção”. Logo, significa que o acolhimento é, antes de tudo, um ato de urbanidade, isto é, “cortesia”. Portanto, o acolhimento vai acontecer em um espaço relacional construído pelo diálogo, onde a escuta sensível sempre estará presente. Implica, portanto, que dois ou mais sujeitos irão compor este espaço através de um objetivo comum, de um interesse. E, neste contato, é importante que a empatia também possa estar presente como uma estratégia que oportunizará “penetrar na experiência de outra pessoa em um espaço democrático (...)para compartilhar experiências” (BURGESS in BIESTEK, S.J., 1965, p.7.).

Ao trazer a empatia para o ato de acolhimento, ela vai, então, qualificá-lo saindo da simples cortesia para aprofundar a competência relacional, na interação com outros sujeitos.

Portanto, não é exercitar a pieguice, mas aprofundar o conhecimento para utilizá-lo com competência teórico-metodológica, ético-político e técnico-operativo na garantia de direitos. Não é utilizá-lo como um discurso vazio, fácil, mas utilizá-lo na garantia da interlocução e do protagonismo dos sujeitos do processo de trabalho do assistente social.

Logo, para o Serviço Social criar um espaço de acolhimento, é necessário construí-lo em um espaço de resistência em que seu Projeto Ético-Político consolide a orientação social da profissão, isto é, a defesa intransigente dos direitos humanos e a busca por uma sociedade mais justa e igualitária. É estar atento à violação de direitos e se apropriar da compreensão da subjetividade dos sujeitos, objetivada pelos processos sociais que os mantêm em patamares de desigualdade social nos diversos espaços que transitam na busca de seus direitos.

Logo, o acolhimento para o Serviço Social tem que trazer na sua essência alguns princípios que irão consolidar a garantia de direitos independente das diferenças que cada sujeito explicita através de sua história individual e de seu pertencimento a determinada classe social.

Como: garantir a identidade individual, sem rótulos, que possa demarcá-lo como a “coisa”. Garantir um espaço para a livre expressão de sua subjetividade e opiniões. Garantir sua dignidade, independente de suas escolhas. Garantir a sua aceitação como sujeito de sua história, independente de seu comportamento. Garantir ao sujeito que seus atos não o condenem socialmente, impossibilitando a esperança da superação. Garantir seu livre arbítrio e respeito às suas decisões. Garantir aos usuários do Serviço Social a confiabilidade em relação às suas informações.

Logo, o acolhimento implica em transitar nos espaços relacionais onde a Rede Interna vai se consolidando pela flexibilidade, pela disponibilidade e pela qualificação para executar um processo de trabalho que viabilize a garantia de direitos aos sujeitos que trazem em suas vidas todas as expressões da Questão Social.